segunda-feira, março 17, 2014

"As pessoas têm que se afastar do litoral"

CARLOS BORREGO

Antigo ministro do Ambiente diz que os cidadãos "têm que se afastar do litoral o espaço suficiente, quinhentos metros, um quilómetro, aquilo que for necessário para permitir que o mar tenha a sua dinâmica".

Carlos Borrego foi ministro do Ambiente entre 1991 e 1994. Hoje, é professor de engenharia ambiental da Universidade de Aveiro. Depois de um Inverno marcado por vários momentos em que o estado do mar agitou as zonas costeiras, Carlos Borrego diz que é preciso afastar os moradores de algumas zonas costeiras. "Aquilo que for necessário para permitir que o mar tenha a sua dinâmica."
Tem demonstrado grande preocupação com as alterações climáticas e com os seus efeitos em particular em Portugal?Neste decénio do século XXI, tivemos os maiores eventos extremos e a maior frequência de eventos extremos. A velocidade do vento de um anticiclone atingiu pela primeira vez a velocidade dos 348 quilómetros por hora – um valor absolutamente fora de qualquer medição feita. Isto significa que temos de tomar soluções que não são as tradicionais. Há duas abordagens: não emitir para a atmosfera o que continuamos a emitir e aquilo que designamos por adaptação, na qual se exigem processos mais complicados, que obrigam a intervir na infra-estrutura. Por exemplo, a reflorestação é fundamental porque as zonas arborizadas têm um controlo importante sobre as temperaturas mais elevada. As árvores têm emissões de vapor de água e ajudam a controlar as emissões para a atmosfera.
É preciso um novo D. Dinis?
Quase, porque queimamos muito. A nossa área florestada reduziu substancialmente devido aos incêndios. É preciso reflorestar o país naquilo que perdemos por causa dos incêndios, mas não só. Também é preciso compensar os efeitos das construções abusivas, localizar adequadamente os centros urbanos. E isto toca com o litoral. O litoral é uma zona de grande pressão, nas alterações climáticas. Tivemos ao longo dos últimos meses bem a evidência do que podem ser as situações em Portugal. As intervenções na costa têm de ser pensadas de modo totalmente diferente. É outro paradigma: temos de permitir ao mar o seu movimento. Diziam os aldeões da zona costeira: "Ele o traz, ele o leva".
O Governo vai ter de dizer às pessoas que têm de se afastar da costa? Que distância?As pessoas têm que se afastar do litoral o espaço suficiente, quinhentos metros, um quilómetro, aquilo que for necessário para permitir que o mar tenha a sua dinâmica.
Como se convence quem viveu toda uma vida junto ao mar a afastar-se do litoral?Têm de se encontrar mecanismos para os ajudar. E aí são o Governo e as autarquias que têm de fazer alguma coisa. É preciso dizer às pessoas, em primeiro lugar, que vão continuar a ser os [habitantes] mais próximos da costa e que ninguém ficará à sua frente. E dizer às pessoas que, ao aceitarem isso, terão incentivos. Dificilmente conseguimos fazer uma mudança destas, de muitos anos, sem um pacote de incentivos, alguns financeiros.

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