sábado, abril 19, 2014

25 de abril Campanha do MFA em Castro Daire resistiu ao 25 de Novembro

Castro Daire acolheu a mais longa campanha do Movimento das Forças Armadas (MFA), liderada pelo capitão Cruz Fernandes, cuja equipa prosseguiu as obras até maio de 1976, resistindo vários meses à viragem do 25 de Novembro.
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Campanha do MFA em Castro Daire resistiu ao 25 de Novembro
Lusa
Na sequência dos acontecimentos político-militares que alteraram, a 25 de novembro de 1975, o rumo do processo revolucionário em Portugal, foi extinta a Comissão Dinamizadora Central (Codice) do MFA.

As campanhas do MFA foram "uma onda que avassalou o país de uma ponta à outra", recordou à agência Lusa Manuel Cruz Fernandes, 79 anos, agora coronel reformado do Exército.
As diferentes operações que decorriam no interior, sobretudo no Centro e no Norte, no âmbito das Campanhas de Dinamização Cultural e Ação Cívica, pararam logo a seguir por decisão do poder emergente.
A Codice decidiu intervir na zona de Viseu "por ser um distrito de difícil penetrabilidade" para a revolução do 25 de Abril, pois tinha "uma componente social muito chegada à Igreja e muito conservadora", disse.
Os concelhos de Castro Daire e Sernancelhe "eram considerados as estrelas da dificuldade", acrescentou.
Entre o golpe de 11 de março e as eleições de 25 de abril de 1975, a equipa de Castro Daire realizou dezenas de sessões, incluindo nas escolas, esclarecendo as populações sobre o Programa do MFA, o papel dos partidos, a futura Constituição e a eleição da Assembleia Constituinte.
As professoras e a maioria dos padres do concelho depressa se tornaram parceiros decisivos dos militares, fazendo jus à "Aliança Povo-MFA".
O agrupamento comandado por Cruz Fernandes integrava 36 elementos dos três ramos das Forças Armadas (Marinha, Força Aérea e Exército), GNR e PSP.
"As minhas intervenções tinham sempre muita população. Ficavam ali horas seguidas sem arredar pé", afirmou.
O coronel Cruz Fernandes realçou que "a dinamização deveu muito a uma classe muito especial, que eram as professoras primárias, gente nova com menos de 40 anos", num município onde a docência era exercida maioritariamente por mulheres.
"Havia apenas um professor. A criançada ficou-nos de uma forma geral completamente afeta", referiu.
Engenheiro eletrotécnico, o militar recordou "situações comoventes" vividas com as populações.
Cruz Fernandes sofreu um grave acidente rodoviário. Esteve internado dois meses no Hospital Militar de Coimbra e recebeu "dezenas de cartas de crianças" a desejar-lhe as melhoras.
"Fizemos 16 estradas em Castro Daire", salientou.
Na segunda fase da presença no concelho, após as primeiras eleições, os militares disponibilizavam máquinas e alguns manobradores, bem como trotil para fazer o rebentamento das rochas. O povo pagava o combustível e dava mão-de-obra, enquanto os emigrantes ajudavam com donativos.
"Das 213 povoações de Castro Daire, só a vila e 12 aldeias tinham eletricidade", recordou o coronel do Exército.
A luz chegou a vários lugares, com a participação dos Serviços Municipalizados de Viseu.
"Alguns postes foram levados de helicóptero para as covas, porque não havia estrada capaz de deixar passar as viaturas", contou.
Na abertura de estradas, colaboravam os moradores, incluindo familiares radicados em Lisboa, que iam passar os fins de semana à terra para darem o seu contributo.
A sanidade animal passou a estar também abrangida pela campanha do MFA em Castro Daire.
"As próprias aldeias se nos dirigiam a pedir trabalhos", disse.
Tendo conseguido que o Regimento de Infantaria de Viseu fosse fazer a semana de campo em Castro Daire, Cruz Fernandes envolveu a tropa na abertura de mais uma estrada.
No fim, houve baile animado. O então capitão pagou do seu bolso duas caixas de sardinhas, que foram assadas com lenha de giesta.
A presença dos militares no concelho "espelha precisamente o empenhamento da equipa de dinamização no terreno na resolução das múltiplas solicitações das populações e, em simultâneo, as dificuldades e resistências encontradas", afirmou à Lusa a investigadora Sónia Vespeira de Almeida, autora do livro "Camponeses, Cultura e Revolução. Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA (1974-1975)".
Modesto Navarro, que trabalhou na Codice enquanto civil, faz um balanço da Operação Beira Alta na obra "Gravar a aliança Povo-MFA: vida ou morte no distrito de Viseu".
A intervenção do MFA em Castro Daire durou "um ano, um mês e um dia", segundo Cruz Fernandes.

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