Isabel deixou os seus alunos para ser colocada numa escola em que não tinha aulas para dar
Descobrir que tinha ficado colocada a 90 quilómetros, em Oliveira de Azeméis, foi um choque — por tudo o que isso implica.
Isabel Pinho teve de abandonar o agrupamento de escolas onde dava aulas há dez anos por não ter crianças que afinal existem e estão desde o início do ano sem professor titular. São 17 alunos que ainda esperam “a sua” professora, que o Ministério da Educação colocou a 90 quilómetros de casa, numa outra escola, que nunca tinha pedido uma docente do 1.º ciclo e não tinha turma para ela.
No Verão, Isabel ficou a saber que fazia parte dos docentes com ausência de componente lectiva ou, dito de forma mais simples, com horário-zero, sem turma. Acontece aos professores do quadro quando, devido à conjugação de muitos factores (como a quebra de natalidade, a emigração, as alterações curriculares ou a criação dos mega-agrupamentos) deixam de ter alunos a quem dar aulas. Neste caso, a causa próxima foi, mesmo, o possível encerramento da Escola Básica de 1.º ciclo de Reriz, do agrupamento de escolas de Castro Daire, onde já só ela dava aulas a uma turma única, que tinha crianças dos quatro anos de escolaridade.
Em Agosto, enquanto os pais de crianças daquela e de outras escolas do país protestavam contra o encerramento dos estabelecimentos do 1.º ciclo, a direcção do agrupamento indicou a Isabel que, “até ver”, tinha de entrar no concurso de mobilidade interna, para ser transferida para uma escola em que pudesse dar aulas. Ela assim fez. E, tal como ela, milhares de docentes. Ainda assim, nunca esteve plenamente convencida de que era uma inevitabilidade: "As crianças existiam, o encerramento da escola não fazia sentido, sempre acreditei que tudo se resolveria", diz, agora. Não imaginava que o processo de colocações seria tão conturbado.
O Conselho de Escolas, num documento, aprovado há uma semana, identifica, passo a passo, os actos e as omissões que terão dado origem aos problemas, sem poupar críticas. Luís Ferreira, director do agrupamento de Castro Daire, onde Isabel dá aulas, resume o caso assim: “Foi uma coisa nunca vista”.
Este ano, diz o director, “tudo se atrasou e no início de Setembro ainda o MEC estava a aprovar turmas, mas a plataforma electrónica que noutros anos permitia retirar do concurso os professores que entretanto tinham arranjado turma já estava encerrada e não foi reaberta”, conta.
A forma invulgar como, na noite de 4 de Setembro, os directores foram chamados a “salvar” os seus professores dos horários-zero não foi exclusiva de Castro Daire. No Norte, os directores das escolas receberam mensagens de telemóvel e e-mails dando-lhes duas horas para enviarem uma mensagem electrónica com os nomes. No Centro, os contactos foram feitos através de telefonemas e noutras zonas do país, a chamada nunca chegou.
Luís Ferreira sabe com precisão a que horas tocou o telemóvel. “Eram 23h35 e disseram-me que até à meia-noite tinha de mandar os nomes”, conta. Não mandou o de Isabel, mas não foi por falta de tempo. “Expliquei à pessoa que me ligou, da representação regional da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, que estava convicto de que a turma a que ela dava aulas estava prestes a ser validada. A resposta foi que nem pensasse nisso, que só podia retirar do concurso as pessoas para as quais tinha certeza absoluta de ter turma. E isso eu não tinha”. No dia seguinte, no entanto, precisamente "às 11h57", o MEC informou, através de uma outra plataforma informática, que a turma da EB1 de Reriz sempre estava aprovada.
“Nem duas horas depois”, Luís Ferreira enviou o e-mail para o endereço que lhe haviam dado na véspera, explicando a situação e pedindo para retirarem Isabel Pinho do concurso. Tarde de mais, como descobriram o director e a professora quando as listas de colocação saíram, no dia 9 de Setembro, a três dias do início do prazo para as aulas começarem.
“Descobrir que tinha ficado colocada a 90 quilómetros, em Oliveira de Azeméis, foi um choque – por tudo o que isso implica em termos familiares, já que o meu marido também dá aulas longe e temos filhos de 12 e 14 anos. Mas também por saber que estava a ser deslocada quando os meus alunos, dos quais seis têm este ano exame, estavam sem professor”, conta Isabel. O choque maior estava, no entanto, para vir. Quando ligou para a escola em que ficara colocada, a reacção foi de espanto: não tinham pedido qualquer professor do 1.º ciclo. Devia apresentar-se, mas ali, sim, estaria com horário-zero.
Isto foi há mais de um mês. Isabel Pinho, entretanto, reorganizou a sua vida. Para minimizar o aumento das despesas procurou pessoas que dão aulas em Oliveira de Azeméis. São cinco e cada uma leva o automóvel uma vez por semana. Encontram-se em Tondela, à ida, e quem leva o carro a partir dali faz a ronda pelas escolas a deixar as colegas. No regresso a casa fazem o mesmo, mas ao contrário. No novo agrupamento, arranjaram-lhe funções: está numa escola básica, a dar apoio a alunos com dificuldades.
O director do agrupamento de escolas de Castro Daire não desistiu de telefonar e de enviar mensagens para o ministério pedindo que Isabel Pinho regresse à escola e ainda não pediu substituto. Com a concordância dos pais das crianças, colocou no seu lugar uma professora que aguardava a reforma e que só esteve na sala de aulas cinco dias. Seguiu-se-lhe uma professora destacada em Castro Daire por doença, que não pode ser titular da turma, mas aceitou deslocar-se a Reriz todos os dias até o problema se resolver.
Luís Ferreira quer "acreditar que Isabel Pinho ainda regressa ao lugar que é seu” e desespera por que o MEC “ao menos diga se sim ou não” para, se for caso disso, pedir um substituto. Isabel conta que é isso que diz aos pais dos alunos, que lhe telefonam “regularmente, para saber como estão as coisas”, que “espera voltar”. “Mas já nem sei se acredito: a cada dia que passa é mais difícil ter esperança de que isto se resolva”, diz.
Este será um caso extremo, mas não único, de problemas na colocação de professores dos quadros. O Conselho de Escolas e a Federação Nacional de Professores têm denunciado situações de docentes que foram retirados do concurso por terem (alegadamente) componente lectiva, o que depois não se confirma, pelo que continuam com horário zero; e outros em que o pedido de retirada do concurso não foi atendido, apesar de as escolas terem componente lectiva para lhes atribuir.
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