««António Pinto, 58 anos, é presidente da direção dos Bombeiros Voluntários de Castro Daire, há 16 anos. É também vice-presidente dos órgãos da Federação dos Bombeiros do distrito de Viseu. Ao Jornal do Centro, o presidente falou da situação delicada dos bombeiros, da falta de verbas para abastecer os carros, da problemática da seca, das divergências com a autarquia, das dívidas e da situação caótica que pode voltar a acontecer, caso não seja injetado dinheiro na corporação.
Qual é neste momento a situação dos bombeiros?
Neste momento, em termos de combustíveis, os bombeiros pagaram a verba ao fornecedor e, para já, o problema está ultrapassado, de futuro não sei. Ainda hoje (segunda-feira, dia 12) tivemos cinco incêndios florestais mas trabalhámos normalmente.
Há risco de a situação voltar a piorar?
Não somos donos do tempo e não conseguimos controlá-lo. Mas, se estas temperaturas se mantiverem prevejo que dentro de poucos dias as coisas voltem a piorar, se a temperatura baixar, com certeza que tudo será melhor. Este “verão” não tem ajudado. Tenho, neste momento, um plafom de 40 mil euros, mas para se gastarem três ou quatro mil euros num dia não é preciso grande coisa, bastam três fogos de 24 horas.
A seca veio prejudicar?
Se veio. Para se ter uma ideia, houve mais incêndios entre o dia 1 de janeiro e 28 de fevereiro, do que na época alta de fogos florestais do ano passado. E, se continuar assim não sei como irá acabar.
O combustível, ou a falta dele, é o único problema ou há outros?
A nível de corpo de bombeiros posso afirmar que tenho os melhores do mundo, não só porque sou presidente, mas a verdade é que em termos de recursos humanos estamos muito bem servidos. A parte económica é sem dúvida a mais complicada. A Unidade Local de Formação de Parada é que também veio complicar ainda mais a situação. A obra custou 130 mil euros e o município comprometeu-se a pagar. Fez o projeto e adiantou a fase inicial mas, em ano de eleições, mudou o presidente e como diz o ditado: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…Conclusão, os bombeiros levaram um arrombo de 130 mil euros, entretanto a empresa, que fez grande parte da obra, colocou-nos um processo em tribunal e durante quatro meses penhorou-nos todos os subsídios, o que nos deixou de pés e mãos atados. Nós vivemos do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), da Administração Regional de Saúde (ARS) Centro, dos hospitais e do subsídio camarário. Quando nos cortam esse dinheiro não há nada a fazer. Em 2009, a Câmara atribuiu-nos 12 mil euros quando normalmente seriam 75 mil. Agora, há uma divergência entre os bombeiros e a autarquia. Eu já expliquei ao presidente, que diz que não nos deve nada, que não teve nada. O que se passa é que nem a antiga nem o atual presidente sabem dos papéis…
Quanto é que a Câmara deve aos bombeiros de Castro Daire?
Setenta e nove mil euros. 63 mil do subsídio e o restante referente ao período de transição de presidentes. O atual presidente tem uma pasta com os documentos, mas há papeis que desapareceram, nomeadamente da nossa contabilidade. Inicialmente estava com vontade de pagar ainda mais quando no ano passado deu 75 mil euros.
Os 3 mil euros que a Câmara adiantou serão descontados nos 79 mil euros?
Não. Apesar de não ter percebido o ofício que o presidente enviou, porque não ser esclarecedor se é um subsídio ou um subsídio extraordinário…
Tem receio que o presidente da Câmara peça esta verba aos Bombeiros?
Ou a peça ou a desconte, como aliás já o fez. Há dois anos descontou.
Pode dizer-se que, perante a situação, há desconforto entre os bombeiros e autarquia de Castro Daire?
Sim. A verdade é que é muito chato quando eu peço, por favor, uma verba de três mil euros ao presidente da Câmara e ele responde nos órgãos de comunicação social que não é preciso alarido porque vai resolver a situação no imediato, e só passadas duas semanas é que os bombeiros têm o dinheiro. Quem arranjou o alarido foi ele e não sei o porquê. Eu não entendo e fico triste, quando o presidente da minha terra, em declarações a uma rádio regional, diz porque é que se apagam fogos com água e espumífero. Isso cria um grande mal-estar. É lamentável que não saiba disso e ainda critique, os bombeiros indignaram-se porque o presidente da Câmara não sabe, não pergunta e manda umas papaias para o ar. Ele preocupa-se com uma calçada que diz que os bombeiros estragaram e eu pergunto, será que os bombeiros têm que andar com todo o jeitinho para não estragar a calçada? Eu acho é que a calçada estava mal construída porque deveria aguentar, os bombeiros não podem estar com cuidado com as agulhetas e com a água para não danificar a calçada, porque não é uma prioridade em relação às pessoas.
A população está em risco?
Neste momento não. Delineámos uma estratégia e chagámos à conclusão que só temos uma hipótese. Sair para a rua e pedir, já que as juntas de freguesia foram tão solidárias connosco perante este desencontro entre a direção e a autarquia, vamos sair à rua e contactar com os presidentes de junta. Vamos começar em Alva, explicar o porquê de estarmos lá e vamos pedir de casa em casa.
É mais fácil resolver esta questão com as Juntas?
Sim, com a autarquia não vamos a lado nenhum, porque o presidente já disse que não dá um cêntimo e que não deve nada. Só assim temos hipótese de nos salvar porque as juntas mostraram muita recetividade, algumas até querem pagar o combustível. O presidente da Junta de Moledo disponibilizou-se para, caso houvesse algum sinistro naquela zona, assegurar todas as despesas. Foi um exemplo seguido por todas as outras freguesias.
Qual o valor das dívidas dos bombeiros?
Cerca de 280 mil euros, contra 142 mil euros que nos devem a nós.
Quem vos deve e que montante?
A Câmara 79 mil euros. Depois, por exemplo, a ARS cerca de 10 mil euros. O INEM, cerca de 14 mil. Há hospitais a dever entre três a cinco mil e outros particulares. Se formos fazer um diferencial, verifica-se que há um montante de cerca de 140 mil euros, que corresponde ao que foi empregue na Unidade Local de Formação. Pagámos à firma e ficámos com esta despesa. Este dinheiro da Câmara, se nos tem sido pago, mesmo não sendo no mandato do atual presidente, apesar de o termos posto ocorrente da situação quando tomou posse, num ofício enviado no dia 17/11/2009, a nossa situação financeira seria mais saudável.
Mas as contas não correspondem às da autarquia?
Não sei. O que eu sei é que, em declarações à imprensa, o presidente da Câmara insinuou que eu não sabia gerir os bombeiros e isso magoa-me porque eu tenho feito das tripas coração por esta instituição. Os bombeiros estão sempre prontos, só não estão quando não têm dinheiro e a Câmara tem responsabilidades nisso.
Já algum bombeiro injetou dinheiro próprio para resolver este problema da falta de combustíveis?
Os bombeiros não, porque não têm nenhuma obrigação de o fazer, mas eu já, e muito. Cerca de 50 mil euros. Neste momento, a associação deve-me 6.731 mil euros.
Em 2008, o presidente ameaçou que os bombeiros poderiam combater fogos de táxi, se não recebessem o Veículo Ligeiro de Combate a Incêndios (VLCI), que tinha sido prometido. Passados quatro anos parece que nada mudou…
Parece que não. Na altura não me restavam alternativas. E o mais grave é que ainda hoje estou à espera do VLCI. O de Castro Daire continua na lista de espera. A cada Governo que assume o poder, envio uma carta ao ministro da Administração Interna para relembrar esta questão. Até já propus que me dessem o dinheiro da viatura. A minha associação tem de receber um VLCI, eu não perdoo isso, tal como os 79 mil euros que a Câmara nos deve.
O apoio demonstrado pela Federação dos Bombeiros do Distrito de Viseu foi importante?
Foi muito importante. Todos nós sentimos essa força vinda da Liga dos Bombeiros Portugueses e da Federação. A Federação disse que nos ajudava, se tivesse dinheiro, mas também não tem.
A Federação chegou mesmo a dizer que a situação vivida pelos bombeiros, e de uma forma geral, é o reflexo das sucessivas más políticas governamentais. Concorda?
Sem dúvida. Enquanto não se reformular o plano de apoio aos corpos de bombeiros não há possibilidade. Há uma discrepância enorme entre verbas atribuídas a diferentes associações do país. Umas recebem muito, outras nada. Quando o Plano Programa Corporação entrou em vigor, em 2008, as verbas foram distribuídas de acordo com o número de funcionários. Como Castro Daire tinha poucos, na altura, ficou a receber 2.262 mil euros, com a promessa de que, no ano seguinte, iria ser revisto, caso tivesse mais gente. A associação de Guimarães recebe 40 mil euros por mês. Este princípio tem de ser urgentemente revisto porque a situação atual não é igual a 2008.
O Ministério da Administração Interna está sensível aos problemas de Casto Daire?
Disseram que iriam tentar resolver a situação e pouco mais. Mas há muitas outras questões sem explicação. Eu pergunto, porque é que não nos atribuem alertas amarelos? Por exemplo, um dia como o de hoje, era considerado, há três anos atrás, como alerta amarelo e era pago. E agora não, colocam azul escuro no sítio da internet da Proteção Civil. Hoje, com a temperatura que está e com o número de incêndios, teria de ser colocado alerta amarelo, mas eles fogem a isto. Eu sei que não há dinheiro mas para estas problemáticas tem de haver dinheiro. Ouvi o Ministro dizer que está a preparar a época de fogos florestais para este ano e eu pergunto e não está preocupado com aqueles que já estão a decorrer? Quem é que me vai pagar os cerca de 15 mil euros que já gastámos desde janeiro? Tem de ser forçosamente a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC). Eles têm de arranjar verbas para isso. Refeições, mangueiras e outras despesas, quem paga? De verão eu sei que pagam e quando há alertas amarelos também, mas agora, quem paga?
Se o tempo quente e os fogos continuarem e o Ministério não disponibilizar verbas, o que poderá acontecer?
Podemos voltar à estaca zero. Ou alguém injeta dinheiro, a Câmara, um particular, ou então vamos até onde podermos ir. Isto é, até os depósitos ficarem vazios. Se isto continuar, a primeira medida que tomo é dizer ao comandante que pare o combate a fogos florestais, apesar de o transporte urgente de doentes também poder parar. Se não houver combustíveis nada poderemos fazer.««
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