quarta-feira, maio 02, 2012

Uma aventura no rio Paiva - Revista Visão



Andava Octávio Canhão à procura do lugar ideal de treino para uma expedição em caiaque ao Polo Norte, em 1994, quando descobriu a paisagem crua do rio Paiva, entre os distritos de Viseu e Aveiro. Fixou o olhar na zona da garganta do curso, a mais dura, e ensaiou a coragem para a corrida organizada pelo Tuareg Kayak Clube. "Era um entusiasta da espeleologia e não resisti ao desafio", explica o agora empresário, de 43 anos.
Estamos nas margens do Paiva, uns metros valentes em cima de pedras, perto da praia do Areinho, e o reviver do passado enche o cenário de magia. Aquelas são águas bravas, as mais selvagens do País, um rio que se rasga em rápidos e depois desliza mansamente, para, em seguida, retomar o seu curso desenfreado, num leito pedregoso, típico de montanha.
Ainda estamos a recuperar o fôlego das histórias de horas e horas de aventuras no Polo Norte, quando Octávio nos atropela o pensamento para lembrar que já prometeu ir à conquista do Sul - e que a viagem à Antártida até esteve agendada para 2009, Ano Polar Internacional.
Entre os dois marcos, além de ter mergulhado no Banco de Gorringe, nas ilhas Desertas e nas Selvagens, criou uma marca própria em volta do Paiva. Pela mão da Lusorafting, apresentou ao País as mais diversas maneiras de descer um rio, com maior adrenalina ou em velocidade de cruzeiro. Pelo trecho idílico de montanha em volta, é fácil adivinhar a forma avassaladora como a prática conquistou os amantes da natureza - e todos os outros.
Canoístas, essas aves raras
Voltamos à ponte de Alvarenga. Ali é que começa o rafting a sério e, naquele rio de relevo acidentado, há perigos escondidos, à espreita. "Já parei descidas por intuição", conta Canhão, que se assume como um gestor de emoções, tanto a alertar os parceiros para os riscos, quando o caudal bate nos traços que vemos desenhados nas pedras, como a estender-lhes os braços se os sente em aflição. Insiste que também erra ("Nunca se sabe tudo"), mas que o conhecimento do rio já lhe trouxe frutos: sempre que há gente desaparecida nas águas do Paiva, o seu telefone toca.
"Aqui faz-se o salto de classe seis", diz, referindo-se ao mais alto grau de dificuldade do rafting. Escuta-se o caudal, ruidoso apesar da parca chuva do último inverno, e torna-se difícil imaginar que, um dia, o curso possa ter sido meio de transporte para o comércio de madeiras, e tenha feito florescer algumas práticas de navegação em águas bravas. A mais conhecida foi a técnica de "paivar", que consistia na utilização de uma vara longa, firmada no fundo do rio para conduzir a embarcação.
Há uns anos, Octávio Canhão e os amigos eram vistos como umas aves raras - os canoístas. Encontravam-se na praia do Areinho e desapareciam no rio. Só os pescadores os viam. Mais tarde, começaram a oferecer descidas à população e a conquista foi imediata. Os clientes que vieram com a criação da Lusorafting, em 2000, fizeram mais por aquele interior do que se possa julgar. "Foi o boom..."
A crise e as oportunidades
A partir dali, de Espiunca até Travanca, são 10 quilómetros de passeio, de natureza, de ar livre, no troço mais fácil do rio. Acompanham-nos vales profundos e a espuma das ondas mas também pingos cada vez maiores. Os olhos de Octávio brilham. "Onde vocês veem chuva, eu vejo dinheiro." Há quatro meses que não fatura - sem chuva ali não há caudal suficiente para descidas.
Nada que o faça desanimar. Ele é um otimista que não se arrependeu da sua aposta de vida de aventura, um gosto cultivado nos livros do oceanógrafo Jacques Cousteau que o pai, desenhador da Força Aérea, guardava na estante lá de casa. Como as crises trazem sempre oportunidades, arriscou, primeiro, no mercado das experiências - A Vida É Bela, Odisseias, etc. - e, agora, nas vendas coletivas e nos cupões. Além disso, levou para o Paiva outros equipamentos, como o river tubing (em boias). Pelo meio, dedicou-se a recolher a história das águas bravas no mundo e tem entre mãos um arrojado projeto de desenvolvimento turístico da região. Como a modalidade deixou ser radical para se tornar familiar, cresce o sonho de, um dia, criar um circuito artificial de águas bravas, para levar o Paiva até Lisboa. "O pior que me podem dizer é que é impossível."


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