quarta-feira, março 30, 2011

Portugal a Pé - Na «serra mais esquecida de Portugal»

Se Montemuro foi sempre a «serra mais esquecida de Portugal», a freguesia de Cabril, a 28 quilómetros da sede de concelho, Castro Daire, e perto do concelho de Arouca, fica longe de tudo, encaixada entre a margem direita do Rio Paiva e as faldas da serra. Pouco mais de 500 habitantes vivem num território de 22 quilómetros quadrados muito marcado pela emigração. Nuno Ferreira percorreu estes caminhos esquecidos.


Nuno Ferreira*
terça-feira, 15 de Março de 2011

Levadas, uma das aldeias da freguesia, toda ela em xisto, jaz abandonada cerca de dez anos. «Já existiu o interesse de a comprar por parte de um ou dois grupos turísticos e seria óptimo. Mas as pessoas não querem vender. Basta um ou dois não querer vender para a aldeia continuar abandonada», explicou-me em Maio de 2009, José Gonçalves, ex-professor em Resende e presidente da Junta.

Por ali, é difícil encontrar uma aldeia tão inalterada como Levadas, o casario em xisto a lembrar outros tempos. «No tempo em que eu estudava, a aldeia de Meã era toda em xisto e lousa e Moimenta de Cabril também. Agora não». O drama de Cabril é estar longe de tudo e ter sofrido ondas sucessivas de emigração que lhe levaram dois terços dos habitantes. Em tempos, ainda ali existiram três minas de volfrâmio. Fecharam e deixaram de novo a zona entregue às oliveiras, ao pequeno cultivo do campo, à pesca no Paiva, à carqueja e à urze que alimentam as cabras dos últimos pastores.

«Havia aqui muita gente, mais do triplo. A primeira emigração foi para o Brasil. Temos conterrâneos em São Paulo, no Rio e em Belém do Pará. Depois, muita gente foi para Lisboa trabalhar nas fábricas e mais tarde para França». A guerra colonial contribuiu para a saída de muita gente. «Nessa altura, muitos saíram para cumprir o serviço militar e viram um mundo que não conheciam. Ficaram por lá», conta José Gonçalves.

Enquanto nas vizinhas Alvarenga e Nespereira, já no concelho de Arouca, muitos migraram para o Porto e mantêm uma relação maior de proximidade com as povoações de origem, em Cabril os emigrantes cada vez regressam menos. «Dantes, vinham sempre pela Festa da Nossa Senhora de Assunção, a 15 de Agosto. Cada vez vêm menos. Os filhos casaram no estrangeiro, não querem vir. O cordão umbilical com o Cabril partiu-se. Temos casas fechadas que abrem oito dias do ano».

A população que resta, envelhecida, trabalha o milho, a batata, o feijão, o vinho e o azeite. «Há cerca de 20 anos houve um técnico do Estado que quis executar aqui um projecto de um lagar de azeite. Já foi considerado o melhor do país. Há mais de 20 anos, a azeitona de Cabril ia para Arouca e era paga a mil escudos (cinco euros) o litro». A oportunidade gorou-se e com a sangria populacional a produção de azeite reduziu muito.

«Há muitos terrenos abandonados e não se arranjam pessoas que queiram trabalhar a terra por menos de 35 a 40 euros. Mais a mais, aqui há muitos patamares, muitos socalcos e que exigem muita mão-de-obra. As pessoa vivem de reformas pequenas, não têm condições de pagar».

Com três aldeias - Pereiró, Ladeiro e Vitoreiro - perdidas junto ao rio Paiva, uma aldeia em xisto, Levadas, à espera de aproveitamento turístico e uma gastronomia magnífica ( cabrito e vitela), Cabril espera melhores dias.

A estrada, entalada entre o sopé da Serra de Montemuro e o Rio Paiva, segue em curvas e contra curvas entre socalcos e vinhas por Meã e Parada de Ester em direcção a Castro Daire. Passo por uma pastora e as suas cabras. A meio do caminho, dou com um fogo junto aos eucaliptos que invade de fumo a estrada. Em Meã enveredo pelo casario em xisto e lousa. Vejo um guarda-chuva pendurado numa porta de madeira, um gato foge mal desço a calçada. Nada de seres humanos. De repente, espreito por um velho portão e avisto um casal de velhos aldeões - «é de Lisboa? E anda sozinho por aqui?».

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(*) Nuno Ferreira nasceu em Aveiro em 1962. Licenciou-se em comunicação social na Universidade Nova de Lisboa. Foi colaborador permanente do semanário Expresso de 86 a 89, ano em que ingressou nos quadros do jornal Público (até 2006). Nos últimos 20 anos fez reportagens de cariz social. No Jornal Público manteve uma crónica satírica intitulada “Ficções do País Obscuro” e escreveu sobre música popular americana. Recebeu, entre outros, o Prémio de Jornalismo de Viagem do Clube de Jornalistas do Porto com o trabalho «Route 66 a Estrada da América» (1996). No ano seguinte recebeu o Prémio de Jornalismo de Viagem do Clube Português de Imprensa com o trabalho «A Índia de Comboio». Em 2007 publicou conjuntamente com Pedro Faria o livro «Ao Volante do Poder».



In: Portugal a Pé - Na «serra mais esquecida de Portugal»

2 comentários:

HR disse...

Por acaso, quando ainda trabalhava na câmara Municipal de Castro Daire, cheguei a falar com uma empresa francesa, pertencente a um empresário português lá emigrado (em França), que tinha grande interesse em comprar uma aldeia do género. Chegou a fazê-lo numa outra zona do país.

Disse-me das várias que já tinha visto que era a que melhores condições tinha (originalidade, paisagem, isolamento).

Depois de algumas semanas e uma viagem realizada propositadamente para o efeito desde França, perdeu a ideia de comprar a aldeia de Levadas por causa dos próprios proprietários.

Uma pena, porque vai acabar por perder-se um património único.

Pedro Figueiredo disse...

Concordo!
Foi uma enorme oportunidade perdida!