O excesso de longevidade política tem destas coisas. Dá
para ver anos depois, ao vivo, o preço das ilusões que vendemos. Castro
Daire, um pedaço do Cavaquistão de Viseu, epicentro das maiorias
absolutas de Cavaco Silva em 1987 e 1991, onde em 2006 e 2011 Cavaco
teve percentagens superiores a 70% de votos como candidato presidencial
assobiou o seu herói. Não quer que o tribunal de Castro Daire seja
extinto, tal como está previsto na proposta do novo mapa judiciário.
Castro Daire é um excelente protótipo do concelho
gastador em obras públicas. É pobre, tem pouca indústria e poucas
empresas produtivas O sector mais importante é a construção civil, que
vive praticamente das obras que o município adjudica, biblioteca,
auditório, piscinas, complexo desportivo, requalificação de ruas,
repavimento de estradas etc, etc, Em 2009, o PS ganhou a Câmara
Municipal, com este modelo de desenvolvimento na boca. Perde população
desde há anos mas continua a construir. Ontem, Cavaco Silva foi
inaugurar o Parque Urbano, uma obra que custou quase 1 milhão de euros
(no entanto, financiada a 85% pelo FEDER)
É difícil explicar a Castro Daire, e a outros tantos
concelhos portugueses que viveram sempre deste modelo de desenvolvimento
do cimento, que devem cortar com ele. Cavaco colhe hoje os ventos
que semeou. O seu grande legado como primeiro-ministro são, no tempo das
vacas gordas, as obras públicas, as auto-estradas, os viadutos, o CCB. Nunca apostou no mar, nunca bateu o pé ao desmantelamento das pescas, da marinha mercante, dos portos, da agricultura.
É ele o grande responsável por esta ilusão de vida no
betão que alastrou da administração central para as autarquias
precisamente no tempo do cavaquismo. Sob a capa do pretenso reformador e do tecnocrata rigoroso, Cavaco criou um país inviável.
Tem a agravante de nunca ter emendado a mão. Em
2000, lançou-se ao monstro da despesa pública de Guterres como mera
guerrilha política, sem dizer no concreto onde se devia cortar, no
Estado, nas autarquias, nas obras públicas, sem indicar soluções
visionárias aos muitos Castro Daire, um novo modelo judicial, extinção
de tribunais, um novo modelo administrativo, com extinção de autarquias,
modelos assentes na produção e não no betão, o fim das coutadas
políticas, num arco de poder local que abrangeu todos os partidos,
inclusivé o PCP, o fim das contratações em massa nos municípios, as
contratações políticas e as contratações para abafar o desemprego no
concelho à custa de mais dinheiros públicos.
A partir de 2007 lançou-se noutra guerrilha a Sócrates,
com a necessidade de falar verdade, também sem enunciar soluções
concretas. Ele que nunca teve a coragem de falar preto no branco aos
portugueses das questões difíceis, das que ninguém gosta de ouvir....
falou da verdade. Com ela acabou por nos enganar. Hoje continua o
mesmo. A troika pede ao governo para extinguir metade das autarquias,
porque sabe bem de onde vem parte do despesismo, mas Cavaco mete a
cabeça na areia. Tem medo de dizer o que o povo não quer ouvir. do
choque, do divórcio com os portugueses por lhes falar verdade. No
fundo, nunca soube governar em tempos difíceis, que é onde se vêem os
verdadeiros governantes...
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