Vasco Pulido Valente, Público 29/06/2012
O vácuo
"Levantada a pesada histeria do futebol, em que abafámos durante
quinze dias, talvez se possa voltar a pensar neste pobre país, que nos
deu a sardinha assada e o sr. Seguro. Para lá do défice, que, como toda a
gente sabia, não se vai cumprir sem meia dúzia de apertões
complementares, fica ainda um sarilho que se julgou temporário, mas
continua a crescer, com sintomas cada vez mais graves, e que não parece
interessar os curiosos peritos da nossa praça: o Presidente da
República. No último domingo, o Presidente da República foi apupado em
Guimarães, "capital europeia da cultura" (uma extravagância que
sobreviveu ao presente desastre), e em Castro Daire, uma vila remota que
não se costuma distinguir nos tumultos da Pátria, e que desta vez
também resolveu molhar a sopa.
Em Guimarães, o bom povo (com alguns camaradas do PC à mistura)
chamou "gatuno" ao Prof. Cavaco, alegadamente por causa da promulgação
do Código de Trabalho: um acto de uma certa, embora pouca,
racionalidade. Em Castro Daire, dezenas de pessoas (não deve haver muito
mais) queriam protestar contra o encerramento do tribunal e as
portagens da auto-estrada (a A24) que liga Viseu a Chaves: um puro
disparate constitucional. Do alto da sua enormíssima importância, Cavaco
não comentou. Disse meia dúzia de banalidades sobre o "grande sucesso"
de Guimarães e voltou, suponho que depressa, para Lisboa. Mas se naquela
cabeça existe um resto de bom senso, com certeza que pensou com
inquietação na fragilidade dele e do regime.
O que as cenas de Castro Daire e de Guimarães demonstram, para lá de
qualquer dúvida, é que o Presidente deixou de ser visto como um árbitro
da cena política portuguesa e passou a ser visto como um cúmplice. Quer
queira, quer não queira, Cavaco perdeu a autoridade, tradicionalmente
associada a Belém. O país percebeu o silêncio culpado sobre Sócrates,
que ele julgou necessário para ser reeleito; e percebeu a seguir a razão
dos discursos que fizeram e apoiaram a coligação da direita.
Principalmente, ninguém lhe desculpou, ou desculpará, a fita inominável
sobre a "pensão de reforma" ou, por mais que ele se explique, a água
turva do BPN e o Algarve. Da antiga confiança com que o eleitorado
inexplicavelmente o favorecia, não sobra nada. Ao primeiro problema
sério, o regime e os portugueses descobrirão para seu desgosto e
surpresa que Belém é um vácuo."
1 comentário:
Obrigada Pedro por partilhares :)
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